segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

as intensidades





eu descanso vigiando nuvens


do ônibus uma moça sentada no meio-fio

nas mãos um livro


escuto Enjoy the Silence


gotas na janela: chuva num bairro, sol no outro


tudo isso dá um prazer sereno

mas no final foda mesmo são as intensidades





quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

casinha azul






para Mark Z.


como ao cabo

cada palavra escrita

cada tiro de cocaína

é uma pergunta

não

uma fúria

uma estúpida escarrada

na face de deus

a difícil decisão de encarar

a volta de Will Navidson pra casa

de fazer a pergunta

que não se deve fazer



terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

sorria








ainda que nariz

ainda que boca

de bisturi

de tão civilizada (o)

mesmo cortada (o)

costurada (o)

chupada (o)

sugada (o)

mordida (o) como um bife macio e mal passado

ainda sorri

mais do que nunca

traveste-se

em cores

de arco-íris

gloss e batom porque está sendo filmada (o)



sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

soterrado





so

terrado por objetos

(feng-shui de barraco)

ofuscado

sufocado

(luz incandescente,

ar) condicionado

Iludido (ilusões são formas de verdade)

por raios refundidos em feixe no forno das lentes

(de contato)

há sempre uma película

um filtro (de photoshop)

uma mixagem (de protools)

novas imagens construídas pela máquina engenheira tecnologia

novas sensibilidades

novas verdades

(não existem mentiras)

que tornam o visceral natural

(banho de mar

sexo sem camisinha)

cada vez mais apático

cada vez mais experiência para seres de carne osso miséria

pobres

poetas





quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

posto





novos templos

e um armazém de energia líquida

ali, no posto de abastecimento do bairro novo

ao abrigo de um excesso de água ofendida

(deus que o Capitalismo não aplaca)

à espera do transporte que me leva

de urbe a outra

a cidade se deixa observar, circula

a energia vira palavras, transmuda



terça-feira, 26 de janeiro de 2010

correntes






um sorriso no cristal líquido

não é líquido

uma soma de lembranças

não é líquida

um narciso num vaso

não é líquido

o som do mar em mp3

não é líquido



o líquido escorre

mas também evapora



correntes de ar frio

ainda nos prendem em cruzares de braços

às vezes abraços



palavras secas





hoje

sugere palavras secas



claro: Cabral vem à mente



espere as palavras -- facas feitas com penas – como espera as pessoas

com paciência

espere das palavras o que espera das pessoas

(as pessoas são poemas encapados em pele)



amanhã

surgirão palavras úmidas

sopradas ao pé do ouvido pelo Oceano vizinho



descalço, sinto o piso frio

ainda pedra

só pedra





segunda-feira, 11 de janeiro de 2010






brevidade






praias desertas







maravilhar-se com o mar,


encantar-se com seu canto.


que alguém o escute e reflita,


mera anomalia do acaso.


o mar terá sempre entoado


apenas para pedras em praias desertas.




terça-feira, 5 de janeiro de 2010

estio em são paulo







circular

sanguíneo

as faces passam

não páram

mas olhares

empréstimos de luz que não se devolve

revelam einstein e

no estio

o desejo de que os vidros se embacem

outra vez

e chovam sombras nas solidões




segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

o asfalto que espera








cético ou crente

o homem apocalíptico

não vê o presente

do ser



sem nome

preciente

espera e quer

só sentido

que a raiz que racha o vaso

não seja heróica

mas ignorante do asfalto

que a espera embaixo





(imagem por Erik Johansson)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

substantivo





genocídio

seu significado

este pensamento tão pragmático

que soube ser cético

e tornar-se simultaneamente sensível

que soube expressar-se até

sentir-se excessivamente preso

à conjugação de verbos no infinitivo

preso a ponto de desejar a liberdade da solidão

própria dos substantivos finais

dos desejos cruéis

das coisas que simplesmente são

e não admitem em sua opacidade

o brilho de variações

possibilidades





porque faço poesia





ao escutar somente

palavras

não pessoas

torno-me assassino e suicida




uma máquina mais complexa

também

porque faço poesia




quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

mito gnóstico sanitário







sob um sol templo

a transparência das verdades

sou espelho

vaidades




eu

imagem

que embaço com o bafo

quando me aproximo

e a contemplo



que esboço descuidado

no vidro esfumaçado

ponta de um dedo

feito de barro




golem efêmero



demiurgo de banheiro






segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

1





um pombo alumínio

deflete ideias

transmuda em insônia

por arrulhos

na memória

decaimento de nomes

faces




no cheiro de hospitais

eternidade







quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

sos




enquanto o mar sereia-me

busco a bala perdida de um verso

que fulmine indiscriminadamente

– sacrifício discreto –

e traga-me de um surdo o alívio da vigília

de um cego o escuro dos sonhos



compor com necessidade binária

– crer em variações –

é função matemática, matéria de máquinas;

nós que somos nós

acreditamos em invenções

no que estamos sós




quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

açougue de signos




nada existe

neste açougue de signos

de mais real

que a carne


a poesia mesma

– plena ainda de comparações –

é vista como

peça de primeira

digna sim

mas de esquartejamento e reasemblage

em embutidos e salsiccias

cujos ingredientes levam de tudo

dizem até que

– pasmem –

palavras


quanto à morte da poesia

perguntar ao legista




terça-feira, 8 de dezembro de 2009

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