terça-feira, 29 de novembro de 2011

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

astropoeta

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É pela janela que vem a solidão.
Estranho, tão estranho, ver o sol ao lado de outros astros,
como num filme de ficção científica.
O sol pertence ao dia, intuímos erroneamente;
o dia pertence ao sol, corrigimos, e isto está mais certo
embora nem sol nem dia existam solidamente (eu iria
escrever como uma rocha, mas nem mesmo uma rocha existe
solidamente, nada existe que não seja violentado
por bilhões de neutrinos a cada segundo).

Quis provar o vazio e resistir ao desespero. Estou há dias
sem lembrar e sem escrever. Provei também meu desprendimento
ao fazer e esquecer, sem anotar, dezenas de versos. Tive esperança
que não houvesse versos inevitáveis ou derradeiros; que nada de derradeiro
houvesse, ou de inevitável; que tudo fosse contingente. Mas então a
possibilidade do infinito não torna tudo possível, tudo certo
e infinitamente repetível?

Até o mais raro dos poemas existiria em infinitas variações
mas também em infinitas cópias perfeitas de si mesmo.
Se assim for, o que resta senão humildade infinita aos poetas?
Julgamentos de valor valendo eles próprios apenas localmente,
o que para alguns equivale a dizer nada valendo.

Procuro na janela por apatia; procuro a garantia de não haver nada
além da morte, de não haver além da morte para quem morre 
mas só encontro todo tipo de indiferença – a da luz estelar constante,
a da escuridão circundante, a do silêncio insensível, a do frio paralisante –,
todo tipo de indiferença menos a minha, o que me faz voltar à poesia.


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tudo quer te abraçar

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Distância e solidão igualam vida,
porque tudo te quer morto se te aproximas:
o mar em que mergulhas,
a tomada que tocas,
a terra em que aprofundas;

até tua amante pode te querer bem
morto,
seja conscientemente
devido a teu seguro de vida,
seja inconscientemente
se acreditas em Freud.

Lembrar é calcular distâncias
(só se lembra o que ficou para trás,
só se lembra o que se perdeu),
esquecer é aproximar
sem saber.

Tememos a solidão –
ansiamos tanto por atenção,
por outra voz,
pelo calor de outro corpo.
Tememos, portanto, a vida;
ansiamos, assim, pela morte.

Tudo quer te abraçar,
tudo quer te esquecer;
tudo é teu inimigo, não te esqueças disso.


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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

amortecido

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Imaginou a morte mil vezes:
as Mil e Uma Noites que todos escrevemos
a mando do medo.

Recitou de si para si suas lembranças:
todas doces e belíssimas
como poesia.

À base de morfina
disse (delirou) para a escrita do filho:

toda vez um talvez
solidão plena da aparência
absência da essência

Sem querer
haviam descrito a existência humana,
as palavras amor-
tecidas.


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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O arco e a Líria

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O que fosse envergasse o arco,
preferiria fosse Líria –
sereia em resguardo,
natural o arquejar de sua lira.

Nadava em devaneios,
sonhos e fantasias –
ordinárias fontes de desejo,
ele mesmo fonte de toda a vida.

Quanto mais vida, porém,
menos poesia.
Líria era canto e encanto:
não arqueava, arquejava sua lira.
Era canto e encanto
aos ouvidos deste morto-vivo;
era canto e encanto encarnado
no arco deste discurso antigo.


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domingo, 20 de novembro de 2011

palhaços

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a
parecer

sea
rte
, se
gu
ir a
dia
nte
, noite
con
ti
nua.

vê (a
lilás): a
lingua além da luz
co
incide
inde
pende
da
vista se a
a
palavra –
dúplicecúmplice
– p
re vê

nem sempre se vêem estrelas mas
alguma beleza se
se
lembra

no fim,
depois que você dormir e
depois que você acordar – não haverá para aonde fugir –
serão só palhaços sem pernas se arrastando
entre ruínas
atrás de anjos que se escondem nas suas lembranças,
Ana,
roubados das elegias.

A inauguração de um mundo novo.
Espera e contempla: com encavalados I hate you
mal dublados (não haverá legendas no Apocalipse),
eles abrirão seu cérebro e repartirão a asa obscura;

o desespero...
nada é mais sonho tampouco realidade,
mas você ainda é natural, como o seu
medo e seu
sangue Oceano.

Não,
não é assim; você não vê que isto é um poema e
basta?

Os palhaços não vê(e)m.

Descança, Ana,
na lembrança de quem lê.

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prise

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te dou blocos de plástico
e você constrói,
que lindo,
um carrinho;
te dou um doce
e você me devolve,
que bom,
um carinho;
se te desse veneno,
você bebia
e
morria;
talvez uma solução?
de cicuta,
para manter a tradição.
meu filho, você é cego
e no entanto vive,
ainda,
como se não fosse. Quando
entender, continuará a viver,
apesar do sofrimento e da
escuridão – e todos os
significados estarão aí,
inclusive nenhum, o que
pode querer dizer, entre mil
possibilidades, que um dia
você vai morrer e eu vou
morrer e todo o mundo vai
morrer, ah, que droga
tranquilizadora mas paliativa são
os poemas, os sofismas e as ironias!


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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

entre dois pensamentos

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Porque só existem de dia,
à noite os deuses desistem:
tornam-se selenitas
ou agacham sob postes de luz
de onde invejam os casais em quartos
cujas janelas se fecham
e as luzes se apagam.

É possível vê-los
de carros em movimento
no intervalo eterno
entre dois pensamentos.


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seu silêncio

...



quando lia meu texto
excitava-me seu silêncio

transava minhas palavras
eu a colonizava

olhava além da letra
violentava-me sua pupila mais negra

sua voz poluiria o ar
como a fumaça do meu cigarro


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