terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Três poemas de Roseane Murray

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Caros amigos,

Na noite de ontem tive oporturnidade de ler para os meus filhos – Bruna, de 12, e Igor, de 8 – um livro infantil que me surpreendeu pela qualidade poética de suas peças. Trata-se do  livro O circo, de Roseana Murray, o qual minha esposa havia comprado há alguns dias e do qual apresento a seguir as três peças que me mais me agradaram. Eu ainda não conhecia Roseane Murray, e, dado o teor e qualidade poética de seu texto – inusuais em textos infantis –, não me surpreendeu o reconhecimento de seu trabalho na Internet, incluindo-se aí, segundo o verbete da autora na Wikipedia, o Prêmio da Academia Brasileira de Letras de melhor livro infantil.


O circo chegou

De onde vem esse cheiro novo,
Esse cheiro de aventura?
E esse brilho, esse barulho
Embrulhando a manhã?
Vem de onde, vem de onde
Essa vontade de dançar?
Até as nuvens, ansiosas,
Fazem fila no céu
Para ver o que que há:
Foi o circo que chegou,
Espalhando na cidade
Um ar de felicidade.


O anão

O anão equilibra uma risada
Na palma de cada mão.
O seu trabalho é atrapalhar
O palhaço.
O anão tropeça a cada passo,
E o circo estremece
Feito bolha de sabão.


O leão e o domador

Ao estalar do chicote,
O leão dá pinote,
Se encolhe no picadeiro.
Mas não é medo o que sente,
Nem é susto:
É saudade, é tristeza...
Seu coração ficou perdido
Para sempre na floresta.
O domador se orgulha,
Estala a língua, o chicote,
Se sente assim, como se fosse
Um rei todo-poderoso.
Mas o que ele não adivinha
É que o leão de verdade
Está longe, adormecido:
No palco, quem caminha
É a sombra do leão.


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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Templários

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Para quem gosta de quadrinhos, seguem duas páginas da única história em quadrinhos que publiquei, há 10 anos, na revista Dragão Brasil. A história é de Alexandre Bar, os desenhos e arte final meus e as cores de Roberto Miranda. Em breve publicarei algumas ilustrações em que estou trabalhando para um projeto de RPG que divulgarei em tempo.




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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

a evocação dos pássaros

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Era mar
que virou ar
em movimento –
sucessivas notas inter-
rompidas –,
mais e menos,
ao mesmo tempo,
que palavras ao vento:
verbos-de-rosa
não para descrever,
mas para evocar,
auroras.

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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

solstício

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após a dança da quadrilha
após a fogueira transformada em cinzas
lumes vagam na madrugada:
cachimbos de crack são
fogos-fátuos na escuridão

crianças, pensa São João
que desaprenderam a comemorar
o solstício de verão


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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

AntiOccam

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Frio por dentro,
ardor ao redor.

Belo e morno
o compromisso do possível:
além de ilusões e esperanças,
o ato realiza o contato;
entre ilusões e esperanças, 
corta 
qual aço.

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domingo, 21 de outubro de 2012

pavão

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sublime apocalipse
se
à omnipresença do voo
a ave visionária
não houvesse optado por 
sua omnisciência de cores 
– omnibeleza 
mas pela omnipotência dos homens

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terça-feira, 9 de outubro de 2012

a igreja das duas horas

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Todas as madrugadas,
às duas horas,
o sino dobra

o silêncio
que se torna
solenidade, som e saudades

de um tempo
só vivido
nos livros.

Todas as madrugadas,
às quatro horas,
o sino dobra

a dor do nada
que é presença
de tudo o que não volta.

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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

afterglow

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Luto, leito, leite seco:
você oriente, eu ocidente;
reflexo sem luz, eco sem voz;
nada ou letes no centro.

À espera d’ aurora,
a pobreza do breu
ante a sombra d’ ausência
ao crepúsculo,
titã das planícies,
adeus de escuridão ao frágil corpúsculo.

Acre, lúgubre lágrima,
condensação do silêncio
sempre sombrio:
nada sobrou,
sequer soçobrou do naufrágio
a que não se seguiu a deriva da vida.

E que imagem dirá melhor a dor:
a que ilhas daria
nosso nauta natimorto?

Assim a sedução revela-se sedação,
o êxtase, estase,
o ainda, nada,
só afterglow, after all

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de sua visão

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De sua visão – de sua prisão –
vítrea
(vidro invisível, água invisível),
o peixe beta ignora a televisão vizinha;

em espelho próximo, porém,
observa-se a si próprio
e parte pra briga:

achamos graça –
rimos em família –,
voltamos ao silêncio a tempo
de assistir à missa da previsão do tempo
seguida das últimas notícias do dia –
quedas nas bolsas, chacinas –,
Dormimos o sono dos justos,
voltamos à vigília,
vamos para o serviço,
sentimo-nos seguros,
sofisticados,
informados e,
sobretudo,
bem alimentados.

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o fim da imaginação


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Da fotografia à imagem digital,
o fim da imaginação e da fantasia:
sonho em preto e branco (quando lembrado)
e memórias estáticas:
custa-me esforço atribuir movimento
à sua face de mármore.

Mesmo as emoções morrem
– ataque cárdia só diante de filmes e fotonovelas –,
ou brutalizam-se em razão de fuga
– escolho não atendê-la ao identificar seu número na bina.

À noite estende-se o leito para retificar espaços curvos:
promove-se o sono,
eterniza-se o tempo
ainda;

desperto, porém, relembro: sua ligação, sonho;
na vigília, eu a atenderia;
quer dizer: aos seus desejos
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1, 2, 3, árvore do mundo

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vendaval
uma árvore (outrora fr-
eixo) caiu

crianças brincando de esconde-esconde
entre os galhos de Yggdrasil

                                   
                                  sopé do Morro do José Menino, Santos, 19/10/12

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o menino e seu barco

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barquinho a motor em rumo
gestos nervosos
no controle remoto

barquinho de papel à deriva
aceno (ao) incerto
uma despedida

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fedor

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terreno baldio
trilhos antigos
detritos
lixo

seringas
cachimbos
camisinhas usadas
carcaças de peixe

seu fedor
a lembrança de seu fedor
a palavra fedor
futuras depurações

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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

a respiração

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se escolhas não existem
as necessidades de uma esposa
a necessidade de uma esposa
a necessidade de um poema
que desacredite o livre-arbítrio
mas não de um poeta que o conceba
sua beleza

compramos um beta
no feriado de sete de setembro
talvez uma escolha
talvez um esforço
uma decisão
a escrita destas linhas
a respiração
os batimentos do coração

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sábado, 1 de setembro de 2012

milagre comum

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Milagre comum:
a despeito do nada entre átomos,
espaço onde andam lúgubres ilusões,
tristezas,
cada toque
concretiza
outrora
espectros,
certa Melancolia da Matéria,
mãe de si mesma,
sua cria
a coisa
mais linda
desse mundo.

Só o espaço passa:
as coisas que se movem no presente,
as coisas que não se movem no passado,
as coisas que passarão a se mover
a partir do movimento derradeiro de outras no futuro.

E resistimos:
comovemo-nos,
amamo-nos, ferimo-nos,
até o sofrimento é preciso
na economia da intensidade
mínima de nos pensarmos despertos,
próximos,
perto de algo,
qualquer coisa,
nem que seja apenas do fim
(acabar o privilégio do que existe).



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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

platitude, versão com co-autoria de Pedro Du Bois

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do contraste
entre a beleza
e o significado
da palavra

platitude

a ironia se destila
para a criação do poema

...

platitude

...


do contraste
entre a beleza
e o significado
ordinário
da palavra platitude
alguma ironia se destila
para a criação de um poema

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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

caixa preta

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em velocidade de cruzeiro
nas altitudes da pictosfera

                              queda
para cima

sem chão contra o qual se chocar
e mesmo assim
o alívio de ter tudo salvo
dentro de uma caixa preta


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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Penélope

......
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na con
fusão
do som do trânsito
com o som do oceano

de arranha-céus
com ciclopes

de googles
com Tirésias

de bocas de crack
com recifes de sereias

tomar IMAXs
por Ítacas

tomar GPSs
por sextantes

massacrar inocentes pretendentes
à Ultimate Movie Experience

resgatar a imagem
de Penélope

naufragar
ou seguir adiante?

.....

estilhaços

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irrelevância
do conterrâneo
encontro
do contemporâneo
ou ânsia
do estilo
da ausência
ou estio
pós explosão
da exposição
rigor!
mortis
e estética
quer dizer
& estética
etc.

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