quarta-feira, 30 de março de 2011

a palavra não

...
...

a palavra não é vidro

espelho

ou lâmpada

a palavra não é consolo

para foder a realidade
...


domingo, 27 de março de 2011

sexta-feira, 25 de março de 2011

o beijo

...

quando a beijei pela última vez
beijei um fantasma
antes disso
um crânio
e antes
beijo a beijo
camada a camada
as carnes
a pele
os cabelos
(que gostava firmes
em meus dedos)

já era mulher
olhos
lábios
seios
ao primeiro beijo
o mais intenso
o verdadeiro
aquele que a mostrou deusa à memória
ao custo de mortalizá-la sentimento
(a cada novo beijo éramos ambos
um pouco mais Judas
menos Madalenas 
à espera do anjo da ressurreição)


quinta-feira, 24 de março de 2011

os inexistentes

...
...

no frio e’scuro espaço
ardem e morrem astros em silêncio
idioma dos deuses
os inexistentes

só as coisas sabem a soma dos sons
a mesma das cores
só as gentes sabem à soma dos sons
a mesma das dores

na fria e’scura noite
ardem e morrem homens em silêncio
ainda que orem e cantem aos deuses
os inexistentes
...
... 

quarta-feira, 23 de março de 2011

o que prefiro

...
...

se a tivesse beijado

não a teria escrito

o que ela preferiria?


sei o que prefiro
...
...

deriva (trecho de mandrágoragonia)

ho...

casa–escritório
escritório–casa
sempre calçado
cuidado com o
circuito-arca
urbe-
que-
nos-
pariu
sinápticos
rizomas
cidade meia-sombra
escritório do pre-feito no-
mades-perseguem-zênite mortos
pelo excesso de velocidade e falta de des
locamento (sua eterna sesta do de antes meio-dia-luz-plena)
não se perde o que permanece (o labirinto-universo de Borges-Astérion impossível
do Google Chrome o Clique para voltar, mantenha pressionado para ver o histórico) bom seria um Arlequim para desgovernar o metrô de Pierrô Bonvicino já dizia não haver mais saídas só ruas viadutos avenidas a verdade porém mais abstrata menos física algo como não há mais saída para a corrente contínua restam só os continentes sua deriva

....
....

segunda-feira, 21 de março de 2011

Dirceu Villa sobre poesia





(...)...


Eu diria, simplificando: a poesia nunca é inofensiva. Ela é a maior força da História, a mais complexa & arcaica. E ela plasma a vida mental mais repleta de energia, que por sua vez plasma a realidade.

A poesia é discreta, em geral, não faz fumaça, mas o que é poesia hoje é realidade amanhã.


But all this is folly to the world.

(...)

A poesia é uma arte de que sempre se diz estar prestes a desaparecer, mas não desaparece.

Creio que a poesia é uma arte impossível hoje, & é por isso que os grandes poetas em atividade são especialmente notáveis: realizam o impossível.

Digo "impossível" porque tudo parece conspirar contra: a educação é uma desgraça, diz-se que as pessoas não querem ler, as editoras não se esforçam (fora as raras exceções), o jornalismo está em crise & a crítica quase inexiste. E a poesia é linguagem extremamente complexa.

Então por que perdura? 

O que se acha na poesia não se acha em nenhuma outra arte.

Não apenas é a arte mais veloz que há (na associação de idéias aparentemente díspares), mas faz aproximar todas as outras artes, com as quais sempre teve relação, & para as quais sempre serviu de agente aglutinante.

A poesia age por sedimentação: um leitor é capaz de extarir cada vez mais dela quanto mais lê. Aquilo vai criando camadas na mente, refinando sentidos & inteligência. Normalmente, um leitor de poesia começa por acaso, mas vai lendo coisas cada vez mais amplas & complexas.

É uma arte muito estranha, avessa a uma época ansiosa como a nossa, mas não há como removê-la da 
experiência. E talvez seja por isso que, mesmo parecendo um escandaloso contrasenso, ela persiste.


...
...

**

...
...
...

um homem l.e.t.r.a.d.o
seus olhos
que só se podem ver*
ilhas

mas seu olh
       ar
       quipé
       lago

*assim**

** porque letras não dão na vista
...
...

poema de Ricardo Aleixo, extraído do blog Modo de Usar & Co., com introdução de Ricardo Aleixo, escrita originalmente para a tradução do poema Monovolume: liberdade em ângulo, de Hans Magnus Enzensberger, para ser lida como introdução de Fábio Romeiro Gullo ao poema Paupéria Revisitada de Ricardo Aleixo

...
...

Este poema não é meu. (...)Este é um poema que decidi postar no meu blogue. Este poema agora é meu. Este é um poema que você está lendo como se fosse seu. Este poema é seu.



Paupéria Revisitada


Putas, como os deuses,
vendem quando dão.
Poetas, não.
Policiais e pistoleiros
vendem segurança
(isto é, vingança ou proteção).
Poetas se gabam do limbo, do veto
do censor, do exílio, da vaia
e do dinheiro não).
Poesia é pão (para
o espírito, se diz), mas atenção:
o padeiro da esquina balofa
vive do que faz; o mais
fino poeta, não.
Poetas dão de graça
o ar de sua graça
(e ainda troçam
na companhia das traças
de tal “nobre condição”).
Pastores e padres vendem
lotes no céu
à prestação.
Políticos compram &
(se) vendem
na primeira ocasião.
Poetas (posto que vivem
de brisa) fazem do No, thanks
seu refrão.

[de Máquina zero, 2004]
...
...

quinta-feira, 17 de março de 2011

Do Agora à Eternidade

...
...

Segue minha tradução de uma matéria que apareceu na edição de dezembro de 2000 da revista de ciência e tecnologia Discovery (http://discovermagazine.com/2000/dec/cover). O tema é fascinante: trata-se da busca do Santo Graal da física teórica, a chamada Teoria de Tudo, por meio de uma ideia inacreditável, que alega ser o tempo mera ilusão.


    Além de fascinante, o tema por vezes ganha ares poéticos e místicos. Embora o texto seja obviamente de cunho jornalístico e não raro corteje o kitsch, em dado momento é possível ler uma interessante metáfora, ao que parece coincidente (sincrônica [Jung]?!?), do tema do universo atemporal como terra incógnita: nessa passagem, o autor nota crianças correndo nos mesmos campos de Oxford onde brincou a protagonista de Alice no País das Maravilhas.

Em outra passagem, extrai-se poesia da tradução de um símile: o autor compara o universo paralizado no tempo e no espaço com uma still-life, termo cuja tradução ao pé da letra seria “vida-parada”, mas cuja tradução correta – e muito mais significativa, carrega de conotação escatológica –, referindo-se ao gênero de pintura, seria “natureza-morta”, o que leva a pesar: o que vale mais, uma imortalidade imóvel – já uma morte em vida – ou uma mortalidade em movimento? Que tipo de imortalidade é essa? Queremos tal imortalidade? Aqui o beatífico talvez torne-se terrível.

Eu ainda chamaria atenção para o uso da palavra “visão”, referindo-se ao modo como Barbour enxerga a natureza do tempo e do nosso universo, modo esse, ao menos para mim, tão próximo do “visionário” órfico e extático quanto do científico ou revolucionário.

Também não deixa de ser interessante observar a possibilidade de, sob influência do assunto, atentar para o modo como estruturas temporais permeiam a linguagem, e não só nos lugares óbvios – nos tempos verbais –, mas também em expressões comuns que, nesse contexto, enriquecem-se de ironia; como quando, em resposta à pergunta “tudo isso poderia ser real?”, o autor responde: “Somente o tempo irá dizer.”



 Do Agora à Eternidade

Imagine um universo sem passado e sem futuro, onde o tempo é uma ilusão e somos todos imortais. Bem-vindo a esse mundo, diz o físico Julian Barbour

por Tim Folger
tradução: Fábio R. Gullo



O tempo está parado em South Newington, uma vila isolada cercada por colinas verdes, distante aproximadamente 32 quilômetros de Oxford, Inglaterra. A pia batismal da igreja, as casas com telhado de palha e os jardins ao longo de alamedas estreitas parecem todos intocados pela passagem dos séculos. Em pé sobre o teto da torre do sino da igreja em um dia quente de final de verão, Julian Babour, um físico teórico com extravagantes noções a respeito da natureza do tempo, chama atenção para sua casa, conhecida como College Farm, nas vizinhanças da antiga igreja.

“Parece quase a mesma de quando construída, 340 anos atrás”, observa Barbour. “O celeiro também é do século XVII. Praticamente todas as casas à vista são do período de 1640 a 1720. A casa longa e baixa é onde eu cresci. É a casa dos meus pais. Ela é do período de 1710 a 1720.” A cena como um todo é tão plácida que é impossível deixar de imaginar que a casa da infância de Barbour, assim como a vila e a paisagem ao redor, permanecerão inalteradas pelos próximos 340 anos.

Essa calma absoluta serve bem a Barbour, que está convencido de que a harmonia estática de South Newington estende-se para além do horizonte, abarcando todo o universo. Na sua visão, este momento e tudo nele – o próprio Barbour, seu visitante norte-americano, a Terra e o que mais houver até as galáxias mais distantes – jamais mudará. Não há passado ou futuro. De fato, tempo e movimento não são mais que ilusões.

No universo de Barbour, cada momeno de cada vida – nascimento, morte e tudo nesse ínterim – existe para sempre. “Cada instante que vivemos”, Barbour diz, “é, em essência, eterno.” Isso significa que somos todos imortais. Como os amantes perpetuamente imóveis de Keats, em sua “Ode sobre uma Urna Grega”, onde estamos “para sempre pintando, para sempre jovens.” Mas onde também estamos para sempre velhos e decrépitos, em nossos leitos de morte, na cadeira do dentista, no Dia de Ação de Graças com nossos sogros, e lendo estas palavras.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Sobre A Pedra Descortinada e Outros Poemas, de Pedro Du Bois

...
...


O novo livro de Pedro Du Bois acaba de ser lançado em versão online e pode ser visto em:


Trata-se de poesia de pedras-de-toque. Pedras descortinadas (dadas a ver, em diálogo explícito com Drummond). Poesia mesmo, pura arte da palavra, arte da palavra pura; sem hibridismos e novidades (experimentalismos), exceto as de sempre, aquelas que tornaram a poesia a arte por excelência, aquelas que surgem espontaneamente e surpreendem o próprio poeta; poesia que não procura deliberadamente novidades formais (poeta que não quer ser mais que poeta) – vício do modernismo concretizado pelo concretismo – e sim formar novidades usando a própria inércia significante da língua, aquela que se cria a si mesma e às suas preciosidades, usando como matéria-prima as experiências do autor, como lima o seu aparato cognitivo. Pedro parece compreender; em “interessar”, escreve: não procuro o novo/ e a novidade flutua/ ante meus olhos

Os primeiros poemas do livro não são os melhores; mas a partir de “vozes”, o livro acontece:

Sendo apenas
a voz
no discurso
incompleto

engloba verbos
                substantivados: às vozes
                                               cabem sons
                                               exemplificados

                               (não atos
                               concretados)

a voz sobre
                a aversão aos fatos


O poema como (a)versão?

A poesia, o poema, o poeta, a metalinguagem. Lê-se aqui poesia da sensibilidade; da sensibilidade poética; da sensibilidade poética x a insensibilidade do mundo (iletrado); da sensibilidade poética x a insensibilidade poética; da poesia x a contingência (Não estamos, minha senhora/ à espera do despropositado), da contingência que aparece, em “reafirmações”, desnudada, obscena (Baudrillard): primeira aparição da morte, também morte em vida:

onde permanece no pensamento
adverso de ser o nada redundante

Versos por vezes herméticos – hermetismo narcísico do eu lírico – prestam-se, devido à ambinguidade (graças às musas!), a todas as interpretações.

De volta ao verso, o mundo em versões do verso (palavra): voz, adverso, versão, diversidade, aversão, reversa, vício, vácuo, esvaziado, larva, vela.

Leitmotivs: corpo, estrada, espaço, memória (a poesia em “poesia” – ...recorrência do bailado / sobre águas passadas –, repotencialização do lugar-comum “águas passadas” na incerta superfície onde baila a consciência consciente do passado).

Pedras-de-toque comentadas, extraídas de uma primeira leitura:

a voz sobre / a aversão aos fatos

Se se interpreta aqui, além de “aversão” (poesia = nojo do cotidiano?), “a versão”, tem-se os fatos, o real, como versão; a voz, a poesia, como verdade possível.

repouso antes da viagem / na longitude programada

Metáfora-elogio da imaginação (faculdade do poético e de toda atividade humana criativa, transformadora, segundo Gilbert Durand), da fantasia, antecipação deleitável de um devir contingente que, exemplifica-se aqui, não será para o poeta de todo tormento.

(...) a estrada bloqueando a entrada.

Outra vez o que há de bom no mistério, no estar (poeticamente) ativo no mundo, a vontade de ser e ser para 
sempre contra a estase do lar, do útero (retorno ao ovário / e me aplacento).

esquecer ainda é o maior mistério

Perplexidade ante o anti-ato do esquecimento, se se está vivo (esquecimento = morte relativa).

 (...) tralhas desconsideradas: rabisco / a poeira com palavras versejadas: / poderia anotar os dias

Neste trecho de “paixão”, por conjunção de contexto e homologias de som e imagem, leia-se “poesia” no lugar de “poeira”; veja-se, para assomo de brilhantismo – do leitor, assombro –, efeito de anagramatização que transforma novamente a “poesia” no verbo do possível em conjugação atemporal-triste (futuro do pretérito): “poderia” – da poeria ao poderia, do barro ao homem, do (lugar) comum a possíveis infinitos.

(No mesmo poema, do ponto de vista dos não iniciados, poemas comparados a “tralhas desconsideradas”, coisas vãs, guardadas no “escuro vão da escada”. (Talvez) em compensação, para o poeta, o resto – a rotina – como “areia” e “atritos”.)

a casa no canto / da paisagem / introduz o elemento / humano no horizonte

Canto = “ponto ou área em que linhas e superfícies se encontram e formam ângulo” (Aurélio)? Canto = canto musical? Neste caso, a paisagem passando de objeto a sujeito, sujeito que canta e que, espantosamente, introduz animicamente o elemento humano no horizonte.


*     *     *

Em que pese o acima exposto, quero notar, especialmente para o Pedro, o uso repetitivo da contração “à (ao) ”, discutivelmente mais elegante que “para a (o)”, mas que usada à exaustão (cinco vezes num poema curto), até mesmo em lugares descabíveis (em vez de “no” e “pelo”, por exemplo), transforma um possível estilema em desagradável cacofonia de estilo, em passagens como (grifos meus):

(...) com palavras / alarmadas ao milagre (...) e refaço / a noite divulgada ao acaso

Desprezado ao sustento / despedaço o corpo à estrada (...) estraçalho a vontade ao recontar 
(...) do pássaro escalado / ao morro (...) ao sustento (...)

No final do dia / aproximado ao cansaço (...) Ausentado ao tempo


À guisa de conclusão, trata-se, como vimos, de tradicionalíssimo livro de poesia numa época interessada, quando muito, em novidades rápidas, imagéticas e estrondosas. Escrevo esta resenha crítica, como o Pedro os seus poemas, para os poucos interessados em “novidades antigas”, aquelas que já não são novidade há milênios e, ao mesmo tempo, continuam sendo.

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