terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Um artista que

 Argumento: a história de um artista que, à semelhança de Leonardo Da Vinci, perde todo o interesse em completar seus trabalhos uma vez superadas as dificuldades de sua conceitualização (ele tem fé em suas capacidades de realização; ele pode imaginar detalhadamente a obra acabada). Enfrentará dificuldades no relacionamento com seus pares, que exigem provas de seu suposto domínio técnico; com sua família, que exige retorno financeiro pelo tempo que ele dedica a suas “pesquisas”. Obsessão é um tema importante, que leva à inadequação social do artista e seus sofrimentos. A seu favor ele argumenta que seus exercícios criativos desenvolvem sua consciência; que sua consciência – ele mesmo – é a única obra que lhe interessa desenvolver, todo o resto – todos os rascunhos e eventuais obras –, apenas traços dessa obra mais completa e viva. Diz não lhe importar a posteridade, os outros; que, em todo caso, até mesmo os maiores criadores de uma civilização morrem junto com ela (e todas as civilizações morrem), não existindo imortalidade de fato no mundo físico. E, completa, quem não poderá afirmar que, a exemplo de uma de suas histórias de ficção especulativa não terminadas, cada universo ou história imaginados com suficiente intensidade não surjam como universos paralelos (a consciência, a imaginação, a força mais poderosa do mundo)? Quem poderá afirmar que sua consciência, desenvolvida ao cabo de uma existência dedicada ao exercício da imaginação, não tenha uma sobrevida de natureza incogniscível mas para a qual estará mais apta do que consciências menos desenvolvidas?



Estávamos eu e Fábio em sua sala; eu acabara de ler o resumo ou plano acima, mais um dos seus “contos inacabados”; ele com sua expressão neutra, nem mais nem menos satisfeito com sua ideia do que sempre estivera. Mas isso não era verdade, como esclareceu:

“No caso dessa história, paradoxal, irônica ou pósmodernamente, o resumo ele mesmo é a história, quero dizer, a melhor forma de apresentar a história, de modo que, como acontece com frequência na poesia, a própria forma reforce o conteúdo, gere significados.”

Realmente havia algo ali. Passamos o resto da noite ponderando, um tanto atônitos e embriagados, as possibilidades metatextuais dessa pequena obra que quase miraculosamente tirava de sua suposta incompletude toda a completude de que não necessitava.

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