eu descanso vigiando nuvens
do ônibus uma moça sentada no meio-fio
nas mãos um livro
escuto Enjoy the Silence
gotas na janela: chuva num bairro, sol no outro
tudo isso dá um prazer sereno
mas no final foda mesmo são as intensidades
eu descanso vigiando nuvens
do ônibus uma moça sentada no meio-fio
nas mãos um livro
escuto Enjoy the Silence
gotas na janela: chuva num bairro, sol no outro
tudo isso dá um prazer sereno
mas no final foda mesmo são as intensidades
so
terrado por objetos
(feng-shui de barraco)
ofuscado
sufocado
(luz incandescente,
ar) condicionado
Iludido (ilusões são formas de verdade)
por raios refundidos em feixe no forno das lentes
(de contato)
há sempre uma película
um filtro (de photoshop)
uma mixagem (de protools)
novas imagens construídas pela máquina engenheira tecnologia
novas sensibilidades
novas verdades
(não existem mentiras)
que tornam o visceral natural
(banho de mar
sexo sem camisinha)
cada vez mais apático
cada vez mais experiência para seres de carne osso miséria
pobres
poetas
hoje
sugere palavras secas
claro: Cabral vem à mente
espere as palavras -- facas feitas com penas – como espera as pessoas
com paciência
espere das palavras o que espera das pessoas
(as pessoas são poemas encapados em pele)
amanhã
surgirão palavras úmidas
sopradas ao pé do ouvido pelo Oceano vizinho
descalço, sinto o piso frio
ainda pedra
só pedra
genocídio
seu significado
este pensamento tão pragmático
que soube ser cético
e tornar-se simultaneamente sensível
que soube expressar-se até
sentir-se excessivamente preso
à conjugação de verbos no infinitivo
preso a ponto de desejar a liberdade da solidão
própria dos substantivos finais
dos desejos cruéis
das coisas que simplesmente são
e não admitem em sua opacidade
o brilho de variações
possibilidades
enquanto o mar sereia-me
busco a bala perdida de um verso
que fulmine indiscriminadamente
– sacrifício discreto –
e traga-me de um surdo o alívio da vigília
de um cego o escuro dos sonhos
compor com necessidade binária
– crer em variações –
é função matemática, matéria de máquinas;
nós que somos nós
acreditamos em invenções
no que estamos sós
nada existe
neste açougue de signos
de mais real
que a carne
a poesia mesma
– plena ainda de comparações –
é vista como
peça de primeira
digna sim
mas de esquartejamento e reasemblage
em embutidos e salsiccias
cujos ingredientes levam de tudo
dizem até que
– pasmem –
palavras
quanto à morte da poesia
perguntar ao legista