quarta-feira, 16 de março de 2011

Sobre A Pedra Descortinada e Outros Poemas, de Pedro Du Bois

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O novo livro de Pedro Du Bois acaba de ser lançado em versão online e pode ser visto em:


Trata-se de poesia de pedras-de-toque. Pedras descortinadas (dadas a ver, em diálogo explícito com Drummond). Poesia mesmo, pura arte da palavra, arte da palavra pura; sem hibridismos e novidades (experimentalismos), exceto as de sempre, aquelas que tornaram a poesia a arte por excelência, aquelas que surgem espontaneamente e surpreendem o próprio poeta; poesia que não procura deliberadamente novidades formais (poeta que não quer ser mais que poeta) – vício do modernismo concretizado pelo concretismo – e sim formar novidades usando a própria inércia significante da língua, aquela que se cria a si mesma e às suas preciosidades, usando como matéria-prima as experiências do autor, como lima o seu aparato cognitivo. Pedro parece compreender; em “interessar”, escreve: não procuro o novo/ e a novidade flutua/ ante meus olhos

Os primeiros poemas do livro não são os melhores; mas a partir de “vozes”, o livro acontece:

Sendo apenas
a voz
no discurso
incompleto

engloba verbos
                substantivados: às vozes
                                               cabem sons
                                               exemplificados

                               (não atos
                               concretados)

a voz sobre
                a aversão aos fatos


O poema como (a)versão?

A poesia, o poema, o poeta, a metalinguagem. Lê-se aqui poesia da sensibilidade; da sensibilidade poética; da sensibilidade poética x a insensibilidade do mundo (iletrado); da sensibilidade poética x a insensibilidade poética; da poesia x a contingência (Não estamos, minha senhora/ à espera do despropositado), da contingência que aparece, em “reafirmações”, desnudada, obscena (Baudrillard): primeira aparição da morte, também morte em vida:

onde permanece no pensamento
adverso de ser o nada redundante

Versos por vezes herméticos – hermetismo narcísico do eu lírico – prestam-se, devido à ambinguidade (graças às musas!), a todas as interpretações.

De volta ao verso, o mundo em versões do verso (palavra): voz, adverso, versão, diversidade, aversão, reversa, vício, vácuo, esvaziado, larva, vela.

Leitmotivs: corpo, estrada, espaço, memória (a poesia em “poesia” – ...recorrência do bailado / sobre águas passadas –, repotencialização do lugar-comum “águas passadas” na incerta superfície onde baila a consciência consciente do passado).

Pedras-de-toque comentadas, extraídas de uma primeira leitura:

a voz sobre / a aversão aos fatos

Se se interpreta aqui, além de “aversão” (poesia = nojo do cotidiano?), “a versão”, tem-se os fatos, o real, como versão; a voz, a poesia, como verdade possível.

repouso antes da viagem / na longitude programada

Metáfora-elogio da imaginação (faculdade do poético e de toda atividade humana criativa, transformadora, segundo Gilbert Durand), da fantasia, antecipação deleitável de um devir contingente que, exemplifica-se aqui, não será para o poeta de todo tormento.

(...) a estrada bloqueando a entrada.

Outra vez o que há de bom no mistério, no estar (poeticamente) ativo no mundo, a vontade de ser e ser para 
sempre contra a estase do lar, do útero (retorno ao ovário / e me aplacento).

esquecer ainda é o maior mistério

Perplexidade ante o anti-ato do esquecimento, se se está vivo (esquecimento = morte relativa).

 (...) tralhas desconsideradas: rabisco / a poeira com palavras versejadas: / poderia anotar os dias

Neste trecho de “paixão”, por conjunção de contexto e homologias de som e imagem, leia-se “poesia” no lugar de “poeira”; veja-se, para assomo de brilhantismo – do leitor, assombro –, efeito de anagramatização que transforma novamente a “poesia” no verbo do possível em conjugação atemporal-triste (futuro do pretérito): “poderia” – da poeria ao poderia, do barro ao homem, do (lugar) comum a possíveis infinitos.

(No mesmo poema, do ponto de vista dos não iniciados, poemas comparados a “tralhas desconsideradas”, coisas vãs, guardadas no “escuro vão da escada”. (Talvez) em compensação, para o poeta, o resto – a rotina – como “areia” e “atritos”.)

a casa no canto / da paisagem / introduz o elemento / humano no horizonte

Canto = “ponto ou área em que linhas e superfícies se encontram e formam ângulo” (Aurélio)? Canto = canto musical? Neste caso, a paisagem passando de objeto a sujeito, sujeito que canta e que, espantosamente, introduz animicamente o elemento humano no horizonte.


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Em que pese o acima exposto, quero notar, especialmente para o Pedro, o uso repetitivo da contração “à (ao) ”, discutivelmente mais elegante que “para a (o)”, mas que usada à exaustão (cinco vezes num poema curto), até mesmo em lugares descabíveis (em vez de “no” e “pelo”, por exemplo), transforma um possível estilema em desagradável cacofonia de estilo, em passagens como (grifos meus):

(...) com palavras / alarmadas ao milagre (...) e refaço / a noite divulgada ao acaso

Desprezado ao sustento / despedaço o corpo à estrada (...) estraçalho a vontade ao recontar 
(...) do pássaro escalado / ao morro (...) ao sustento (...)

No final do dia / aproximado ao cansaço (...) Ausentado ao tempo


À guisa de conclusão, trata-se, como vimos, de tradicionalíssimo livro de poesia numa época interessada, quando muito, em novidades rápidas, imagéticas e estrondosas. Escrevo esta resenha crítica, como o Pedro os seus poemas, para os poucos interessados em “novidades antigas”, aquelas que já não são novidade há milênios e, ao mesmo tempo, continuam sendo.

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2 comentários:

fátima queiroz disse...

fábio, passando por aqui é que me lembrei... convide-o... a cabeça anda a mil e a dor da tendinite...
vc pra gente?
desculpe-me passei batida mesmo, sem maldade, ok?
bjs procê

Anônimo disse...

Caríssimo Gullo,
fico honrado por ter merecido sua apreciação.
Na verdade, não é um novo livro de minha lavra.
O Edmir, editor do site Ver-O-Poema, montou o livreto virtual com poemas que remeto semanalmente e com os que ele retirou do meu blog.
Aceitei o trabalho feito por ele, em função da visibilidade dada aos meus textos.
Concordo com a sua avaliação, pois tenho por preocupação a palavra em si, e seus significados. Trazer aos textos a significação tão "perdida" hoje em dia.
Nem sempre somos felizes em nossas buscas e exposições.
Ao contrário de você - em geral - não "trabalho" a concretude dos textos, o que admiro sobremaneira em seus trabalhos. Meu ramo é outro.
Entendo a sua crítica às minhas contrações; mesmo que na maioria dos casos citados o "espírito" e/ou o "significado" que busquei - indevidamente, ou sem sucesso - não tenham chegado até o leitor (você, por exemplo). Tive outra intenção, mesmo com a "cacofonia" por você encontrada. Culpa minha, como emissor, confesso.
Penso em incorporar seu texto à minha "fortuna crítica", se você estiver de acordo.
Abraços e, mais uma vez, grato pelo seu interesse.
Pedro Du Bois

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