quinta-feira, 15 de outubro de 2015

padaria (um segredo)

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padaria (um segredo)


À alvorada o orvalho se esvai
na revoada de anjos – odor
de café e pão fresco. Ó, anjos
padeiros que apenas são e não
padecem, descubram-me o
paradeiro das crianças perdidas
nas noites de Carnaval, dos velhos
presos a eternas quartas-feiras de
cinzas, das sublunares meninas
que sangrarão por toda uma vida...
Ó, anjos padeiros, dividam o pão
igualmente entre os homens que
penetram mulheres na madrugada
e aqueles que penetram outros
homens, entre as mulheres que
sorvem homens na noite e aquelas
que bebem outro leite, vocês
que não veem diferenças entre
o leve e o pesado, entre o sério e o
jocoso, entre a vagina e o pênis
pois em si têm o equilíbrio do entre...
Ó, anjos por vezes odores, outras
orvalho, outras ondas, outras sêmen –
vocês que se sacrificam sombras para
que a ilusão da luz não se entre-
gue –, ao menos vocês me atendem,
ao menos vocês entendem este poeta,
ele mesmo arcanjo libidinoso e eunuco
destinado ao coito com a língua, das
asas arrancadas restando-lhe, contudo,
uma pena (da qual não é digno, entre-
tanto seja digno de), pena de morte,
talvez, de suas trombetas potentes
só um sussurro (um segredo, porém).    

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