Amigos, segue trecho de uma postagem de Dirceu Villa intitulada PoesieFestival Berlin, por dentro, que pode ser encontrada na íntegra neste link. Aqui Dirceu expõe com a lucidez e profundidade habituais o problema que o abuso das novas tecnologias de comunicação pode representar para o desenvolvimento dessas mesmas características -- lucidez e profundindade -- nas novas gerações.
Timo
Berger, eu, Érica Zíngano e Ricardo Aleixo (foto de Gerald Zörner,
"gezett": www.gezett.de)
No breve
debate que reuniu a mim, Ricardo Aleixo e Érica Zíngano, mediados pelo poeta e
tradutor alemão Timo Berger (astutamente chamado Ótimo Berger pelo meu caro
Aleixo), a reportagem presente, creio que da Deutsche Welle,
afirmou después que eu era totalmente arredio a tecnologia.
Talvez um
neoludista, um exterminador do exterminador do futuro.
Mas a culpa,
obviamente, é minha mesma. “Eu e minha grande boca”, como diz o dito.
O fato é que
Berger queria saber da relação dos poetas com a vídeo-poesia, und so
weiter, & eu não resisto ao aspecto anedótico do q tenho a dizer, o q
acaba não resultando muito claro.
O q por
outro lado é claramente interessante.
Zíngano
& Aleixo, como eu mesmo disse lá, são dois dos melhores nessa arte, no
Brasil; não tenho nenhum, mas nem o mais veladoparti-pris contra a
coisa, sobretudo porque admiro os dois artistas citados, & um bom bando de
outros, incluindo Domeneck, q nos ouvia da audiência.
Minha
atitude é contra outra coisa, na verdade, e a explicação comporta duas partes.
1) A
“tecnologia” (palavra que passou a designar quase que exclusivamente produtos
eletro-eletrônicos) tomou a vida das pessoas de um modo, para mim, claramente
excessivo, e de um excesso que não me parece levar ao palácio da sabedoria.
A leitura em
papel também traz, materialmente, os aspectos de uma experiência vicária, mas o
exagero da leitura já vinha ironizado desde sempre, & de modo memorável
em Das Narrenschiff (1494), ou a Nau dos Loucos,
poema satírico de Sebastian Brandt, em que o primeiro dos tolos da nau é o dos
livros, que está feliz em casa, cercado deles.
O tolo dos livros, na gravura ao poema
de Brandt,
com as orelhas de burro cobertas pelo
gorro.
É nesse
sentido que as pessoas andam nas ruas falando em aparelhos celulares, ou com
plugs na orelha, ouvindo coisa pré-gravada, ou jogando jogos, vão aos
escritórios para trabalhar no computador, vão para casa para responder e-mail
ou entrar nas redes sociais q as solicitam o tempo todo com ninharias, ou ficam
diante da tv, ou jogando jogos.
Me parece
óbvia a ênfase que a eletrônica tem na vida (por razões de mercado, sobretudo)
transformando, em grande parte dos casos, a existência em algo vicário, vivida
através de telas ou vozes que não estão no momento naquele lugar. Há um novo
lugar na nau dos loucos, acho.
Isso, diria,
tem apagado na arte mais recente o traço objetivo da observação direta &
focalizada das coisas, capaz de diferenciar matizes de cores, ou texturas, ou
associar coisas por esses & outros aspectos específicos que compõem a vida.
Ou, ao
contrário, resulta em alguns momentos num hiperrealismo, q é a representação
obsessivamente detalhada, incapaz de escolher um foco, perdida na superfície
sem contraste das coisas para repetir q o sentido de tudo está confinado ao
óbvio uso de um microscópio, ou à invasão não-afetiva, mas vulgarmente
exploratória (como um abutre sobre uma carcaça) do espaço privado.
São opostos
espelhados, esses. Igualmente preocupantes como esvaziamento da experiência.
2) Minha
arte tem sido sobretudo a escrita também para ver até q ponto a sociedade
decidiu se livrar dos meios mais, por assim dizer, “tradicionais”, de
veiculação de informação estética. E é notável como de fato estamos
predispostos a ser fisgados por algo chamativo, visual & auditivo, mas bem
menos dispostos à travessia arenosa de um texto, sobretudo se de algum nível de
complexidade q o retire da esfera comum das trocas linguísticas do dia-a-dia.
O que, deixo
claro, não me impede de me meter a fazer qqer outra coisa, caso me ocorra. E eu
sequer poderia bancar o anti-tecnologia (q, aliás, não sou), quando escrevo
neste momento no meu notebook, prestes a postar no meu blog.
Obviamente, a questão não é essa. A questão é a de uma ética dos limites, a de
uma consideração filosófica das nossas opções, & de uma tentação sempre
presente em mim de oferecer resistência à massificação de procedimentos q
descascam ainda mais uma camada da nossa já duvidosa humanidade.
A minha
impressão tem sido: estamos nos entregando a letargias mentais, estamos nos
entregando sempre ao menor esforço, à impressão do imediato, sem a capacidade
de conceber as coisas de longa duração & efeito, como se a
dessensibilização da estética fosse também, e provavelmente sobretudo, uma
dessensibilização da vida num imediatismo infantil (& na sua irmã, a
repetição do mesmo), de aqui & agora suspendidos num tempo gerúndio,
presente eterno, repetitivo.
E não é só o
mundo eletrônico q opera isso. O surgimento do jornal, há mais ou
menos quatro séculos, teria de ter posto uma questão a nossos
antepassados, isto é: o quanto a compressão de informações, para nem dizer o
critério de escolha delas, não distorce a nossa imagem mental do mundo com uma
imensa desproporção assinalada no pressuposto de fato?
Desproporção
verdadeiramente maligna, às vezes. Dirigida, muitas vezes, para o controle.
Um exemplo: a coleção da violência mundial, q é minuciosamente levada diante
dos nossos olhos pelos jornais diariamente (não dos meus, q parei de ler ou
assistir a jornais faz 5 anos). Seria proporcional, considerando q isso cria um
efeito psicológico de concentração da violência, puramente falso, incitando ao
medo e, do medo, a mais violência?
E o quanto
isso é proporcional, considerando q, objetivamente, a vida é composta de uma
mistura mais equilibrada & caótica de coisas? E o quanto o medo não serve
ao controle, uma vez q, quem teme, obedece? e o quanto a violência não serve ao
dinheiro, se sabemos q qqer acidente de rua junta dezenas de pessoas em volta?
A
tecnologia, como a chamam, se tornou o mercúrio por onde essas coisas deslizam
sem critérios q não sejam o buyer, beware. São as telecomunicações.
É a ironia de Andy Warhol, transformada em alegoria monstruosa.
Penso, de um
modo resumido: o problema não é alguma inovação tecnológica ― especialmente na
tecnologia de comunicação, neste nosso caso ― mas o fato de que há um claro
incentivo social para o uso ininterrupto desses aparelhos, e o uso ininterrupto
desses aparelhos está nos divorciando da vida, pela nossa falta de
atenção à ética do uso.
...
Nenhum comentário:
Postar um comentário