segunda-feira, 18 de junho de 2012

Questões de tecnologia, poesia & a nossa estranha vida

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Amigos, segue trecho de uma postagem de Dirceu Villa intitulada PoesieFestival Berlin, por dentro, que pode ser encontrada na íntegra neste link. Aqui Dirceu expõe com a lucidez e profundidade habituais o problema que o abuso das novas tecnologias de comunicação pode representar para o desenvolvimento dessas mesmas características -- lucidez e profundindade -- nas novas gerações.

Timo Berger, eu, Érica Zíngano e Ricardo Aleixo (foto de Gerald Zörner, "gezett": www.gezett.de) 

No breve debate que reuniu a mim, Ricardo Aleixo e Érica Zíngano, mediados pelo poeta e tradutor alemão Timo Berger (astutamente chamado Ótimo Berger pelo meu caro Aleixo), a reportagem presente, creio que da Deutsche Welle, afirmou después que eu era totalmente arredio a tecnologia.

Talvez um neoludista, um exterminador do exterminador do futuro.

Mas a culpa, obviamente, é minha mesma. “Eu e minha grande boca”, como diz o dito.

O fato é que Berger queria saber da relação dos poetas com a vídeo-poesia, und so weiter, & eu não resisto ao aspecto anedótico do q tenho a dizer, o q acaba não resultando muito claro.

O q por outro lado é claramente interessante.

Zíngano & Aleixo, como eu mesmo disse lá, são dois dos melhores nessa arte, no Brasil; não tenho nenhum, mas nem o mais veladoparti-pris contra a coisa, sobretudo porque admiro os dois artistas citados, & um bom bando de outros, incluindo Domeneck, q nos ouvia da audiência.

Minha atitude é contra outra coisa, na verdade, e a explicação comporta duas partes.

1)  A “tecnologia” (palavra que passou a designar quase que exclusivamente produtos eletro-eletrônicos) tomou a vida das pessoas de um modo, para mim, claramente excessivo, e de um excesso que não me parece levar ao palácio da sabedoria.

A leitura em papel também traz, materialmente, os aspectos de uma experiência vicária, mas o exagero da leitura já vinha ironizado desde sempre, & de modo memorável em Das Narrenschiff (1494), ou a Nau dos Loucos, poema satírico de Sebastian Brandt, em que o primeiro dos tolos da nau é o dos livros, que está feliz em casa, cercado deles.


O tolo dos livros, na gravura ao poema de Brandt,
com as orelhas de burro cobertas pelo gorro.


É nesse sentido que as pessoas andam nas ruas falando em aparelhos celulares, ou com plugs na orelha, ouvindo coisa pré-gravada, ou jogando jogos, vão aos escritórios para trabalhar no computador, vão para casa para responder e-mail ou entrar nas redes sociais q as solicitam o tempo todo com ninharias, ou ficam diante da tv, ou jogando jogos.

Me parece óbvia a ênfase que a eletrônica tem na vida (por razões de mercado, sobretudo) transformando, em grande parte dos casos, a existência em algo vicário, vivida através de telas ou vozes que não estão no momento naquele lugar. Há um novo lugar na nau dos loucos, acho.

Isso, diria, tem apagado na arte mais recente o traço objetivo da observação direta & focalizada das coisas, capaz de diferenciar matizes de cores, ou texturas, ou associar coisas por esses & outros aspectos específicos que compõem a vida.

Ou, ao contrário, resulta em alguns momentos num hiperrealismo, q é a representação obsessivamente detalhada, incapaz de escolher um foco, perdida na superfície sem contraste das coisas para repetir q o sentido de tudo está confinado ao óbvio uso de um microscópio, ou à invasão não-afetiva, mas vulgarmente exploratória (como um abutre sobre uma carcaça) do espaço privado.

São opostos espelhados, esses. Igualmente preocupantes como esvaziamento da experiência.

2) Minha arte tem sido sobretudo a escrita também para ver até q ponto a sociedade decidiu se livrar dos meios mais, por assim dizer, “tradicionais”, de veiculação de informação estética. E é notável como de fato estamos predispostos a ser fisgados por algo chamativo, visual & auditivo, mas bem menos dispostos à travessia arenosa de um texto, sobretudo se de algum nível de complexidade q o retire da esfera comum das trocas linguísticas do dia-a-dia.

O que, deixo claro, não me impede de me meter a fazer qqer outra coisa, caso me ocorra. E eu sequer poderia bancar o anti-tecnologia (q, aliás, não sou), quando escrevo neste momento no meu notebook, prestes a postar no meu blog. Obviamente, a questão não é essa. A questão é a de uma ética dos limites, a de uma consideração filosófica das nossas opções, & de uma tentação sempre presente em mim de oferecer resistência à massificação de procedimentos q descascam ainda mais uma camada da nossa já duvidosa humanidade.

A minha impressão tem sido: estamos nos entregando a letargias mentais, estamos nos entregando sempre ao menor esforço, à impressão do imediato, sem a capacidade de conceber as coisas de longa duração & efeito, como se a dessensibilização da estética fosse também, e provavelmente sobretudo, uma dessensibilização da vida num imediatismo infantil (& na sua irmã, a repetição do mesmo), de aqui & agora suspendidos num tempo gerúndio, presente eterno, repetitivo.

E não é só o mundo eletrônico q opera isso. O surgimento do jornal, há mais ou menos quatro séculos, teria de ter posto uma questão a nossos antepassados, isto é: o quanto a compressão de informações, para nem dizer o critério de escolha delas, não distorce a nossa imagem mental do mundo com uma imensa desproporção assinalada no pressuposto de fato?

Desproporção verdadeiramente maligna, às vezes. Dirigida, muitas vezes, para o controle. Um exemplo: a coleção da violência mundial, q é minuciosamente levada diante dos nossos olhos pelos jornais diariamente (não dos meus, q parei de ler ou assistir a jornais faz 5 anos). Seria proporcional, considerando q isso cria um efeito psicológico de concentração da violência, puramente falso, incitando ao medo e, do medo, a mais violência?

E o quanto isso é proporcional, considerando q, objetivamente, a vida é composta de uma mistura mais equilibrada & caótica de coisas? E o quanto o medo não serve ao controle, uma vez q, quem teme, obedece? e o quanto a violência não serve ao dinheiro, se sabemos q qqer acidente de rua junta dezenas de pessoas em volta?

A tecnologia, como a chamam, se tornou o mercúrio por onde essas coisas deslizam sem critérios q não sejam o buyer, beware. São as telecomunicações. É a ironia de Andy Warhol, transformada em alegoria monstruosa.

Penso, de um modo resumido: o problema não é alguma inovação tecnológica ― especialmente na tecnologia de comunicação, neste nosso caso ― mas o fato de que há um claro incentivo social para o uso ininterrupto desses aparelhos, e o uso ininterrupto desses aparelhos está nos divorciando da vida, pela nossa falta de atenção à ética do uso.

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