quinta-feira, 17 de março de 2011

Do Agora à Eternidade

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Segue minha tradução de uma matéria que apareceu na edição de dezembro de 2000 da revista de ciência e tecnologia Discovery (http://discovermagazine.com/2000/dec/cover). O tema é fascinante: trata-se da busca do Santo Graal da física teórica, a chamada Teoria de Tudo, por meio de uma ideia inacreditável, que alega ser o tempo mera ilusão.


    Além de fascinante, o tema por vezes ganha ares poéticos e místicos. Embora o texto seja obviamente de cunho jornalístico e não raro corteje o kitsch, em dado momento é possível ler uma interessante metáfora, ao que parece coincidente (sincrônica [Jung]?!?), do tema do universo atemporal como terra incógnita: nessa passagem, o autor nota crianças correndo nos mesmos campos de Oxford onde brincou a protagonista de Alice no País das Maravilhas.

Em outra passagem, extrai-se poesia da tradução de um símile: o autor compara o universo paralizado no tempo e no espaço com uma still-life, termo cuja tradução ao pé da letra seria “vida-parada”, mas cuja tradução correta – e muito mais significativa, carrega de conotação escatológica –, referindo-se ao gênero de pintura, seria “natureza-morta”, o que leva a pesar: o que vale mais, uma imortalidade imóvel – já uma morte em vida – ou uma mortalidade em movimento? Que tipo de imortalidade é essa? Queremos tal imortalidade? Aqui o beatífico talvez torne-se terrível.

Eu ainda chamaria atenção para o uso da palavra “visão”, referindo-se ao modo como Barbour enxerga a natureza do tempo e do nosso universo, modo esse, ao menos para mim, tão próximo do “visionário” órfico e extático quanto do científico ou revolucionário.

Também não deixa de ser interessante observar a possibilidade de, sob influência do assunto, atentar para o modo como estruturas temporais permeiam a linguagem, e não só nos lugares óbvios – nos tempos verbais –, mas também em expressões comuns que, nesse contexto, enriquecem-se de ironia; como quando, em resposta à pergunta “tudo isso poderia ser real?”, o autor responde: “Somente o tempo irá dizer.”



 Do Agora à Eternidade

Imagine um universo sem passado e sem futuro, onde o tempo é uma ilusão e somos todos imortais. Bem-vindo a esse mundo, diz o físico Julian Barbour

por Tim Folger
tradução: Fábio R. Gullo



O tempo está parado em South Newington, uma vila isolada cercada por colinas verdes, distante aproximadamente 32 quilômetros de Oxford, Inglaterra. A pia batismal da igreja, as casas com telhado de palha e os jardins ao longo de alamedas estreitas parecem todos intocados pela passagem dos séculos. Em pé sobre o teto da torre do sino da igreja em um dia quente de final de verão, Julian Babour, um físico teórico com extravagantes noções a respeito da natureza do tempo, chama atenção para sua casa, conhecida como College Farm, nas vizinhanças da antiga igreja.

“Parece quase a mesma de quando construída, 340 anos atrás”, observa Barbour. “O celeiro também é do século XVII. Praticamente todas as casas à vista são do período de 1640 a 1720. A casa longa e baixa é onde eu cresci. É a casa dos meus pais. Ela é do período de 1710 a 1720.” A cena como um todo é tão plácida que é impossível deixar de imaginar que a casa da infância de Barbour, assim como a vila e a paisagem ao redor, permanecerão inalteradas pelos próximos 340 anos.

Essa calma absoluta serve bem a Barbour, que está convencido de que a harmonia estática de South Newington estende-se para além do horizonte, abarcando todo o universo. Na sua visão, este momento e tudo nele – o próprio Barbour, seu visitante norte-americano, a Terra e o que mais houver até as galáxias mais distantes – jamais mudará. Não há passado ou futuro. De fato, tempo e movimento não são mais que ilusões.

No universo de Barbour, cada momeno de cada vida – nascimento, morte e tudo nesse ínterim – existe para sempre. “Cada instante que vivemos”, Barbour diz, “é, em essência, eterno.” Isso significa que somos todos imortais. Como os amantes perpetuamente imóveis de Keats, em sua “Ode sobre uma Urna Grega”, onde estamos “para sempre pintando, para sempre jovens.” Mas onde também estamos para sempre velhos e decrépitos, em nossos leitos de morte, na cadeira do dentista, no Dia de Ação de Graças com nossos sogros, e lendo estas palavras.


Bardour tem pleno senso de quão chocante a noção de um mundo sem tempo soa. “Eu mesmo ainda tenho dificuldade em aceitá-la,” confessa. Mas a verdade é que bom senso nunca foi um guia confiável para o entendimento do universo – os físicos têm confundindo nossas percepções desde que Copérnico sugeriu que o Sol não gira em volta da Terra. Afinal nós não sentimos o menor movimento conforme o planeta rodopia no vácuo a 107.000 quilômetros por hora. A noção que temos da passagem do tempo, Barbour argumenta, está tão equivocada quanto a crença da Sociedade da Terra Plana.

Barbour tem-se dedicado ao estudo das propriedades básicas do tempo por quatro décadas. Trata-se de um assunto, ele acredita, que muitos físicos ignoram. “Dado o fascínio da ideia do tempo, é surpreendente quão poucos físicos fizeram tentativas sérias de estudá-la e dizer exatamente o que ela é,” ele diz. “É uma lacuna improvável.” No início, Barbour não pensava que traria novos insights ao assunto. “Eu não acho de maneira alguma que tenho um talento especial. É uma luta fazer as equações,” ele brinca. “Aconteceu simplesmente que eu fiquei muito interessado no assunto e descobri que pouquíssimas pessoas chegaram de fato a pensar seriamente nele.”

É possível que o próprio Barbour não tivesse sido capaz de devotar quase 40 anos do seu, bem, tempo ao problema se não fosse por sua trajetória única. Diferente da maior parte dos seus colegas, ele não trabalha em uma universidade nem em um laboratório do governo – ele é um dos poucos físicos teóricos freelance do mundo. Apesar disso, suas credenciais são sólidas, e físicos proeminentes o levam – e às suas ideias pouco convencionais – muito a sério.
 
“Ele tem algumas ideias estranhas, mas definitivamente conhece o assunto quando se trata dos problemas fundamentais,” afirma Carlo Rovelli, que trabalha no Centro de Física Teórica em Luminy, França. Lee Smolin, um físico teórico da Universidade do Estado da Pennsylvania, concorda: “Bardour é uma das poucas pessoas que eu conheço que se aventurou por conta própria e teve sucesso em coisas importantes, que não teriam sido fácil de realizar numa carreira convencional.”

Após receber seu doutorado em física pela Universidade de Colônia em 1968, Barbour, agora com 63 anos, decidiu que não queria seguir uma carreira acadêmica tradicional, com a inevitável pressão do tipo publique ou pereça. Assim passou a sustentar esposa e quatro filhos traduzindo artigos científicos russos enquanto trabalhava em física no tempo livre, publicando artigos acadêmicos em intervalos de poucos anos. Fora da academia, estava livre para explorar seu interesse no tempo sem ter que se preocupar com mandatos universitários ou fundos para o que pode muito bem parecer uma busca esotérica.

Até recentemente, o provocativo trabalho de Barbour era pouco conhecido além de um pequeno círculo de físicos. Isso mudou no início deste ano (2000) com a publicação de seu último livro, The End of Time (O Fim do Tempo), onde apresenta sua hipótese de um universo onde o tempo, apesar de tudo ao contrário, não tem qualquer papel.

O principal argumento de Barbour é que uma crença equívoca na realidade do tempo impede a física de alcançar sua meta final: a unificação do submicroscópico mundo atômico da mecânica quântica com o vasto mundo cósmico da relatividade geral. O problema surge porque cada teoria fornece uma concepção radicalmente diferente do tempo, e os físicos simplesmente não sabem como conciliar as duas visões. Até que isso se torne uma realidade, eles não terão uma teoria completa do universo contendo dos menores aos maiores objetos existentes. E certos objetos de tamanho médio – seres humanos – jamais entenderão a verdadeira natureza do tempo e da existência.


O que torna as duas versões do tempo tão diferentes? O tempo no reino quântico não possui nenhuma propriedade notável. Na teoria da mecânica quântica, o tempo é essencialmente tido por garantido; ele simplesmente transcorre ao fundo, exatamente como faz em nossas vidas. Como um relógio em um evento esportivo, ele fornece uma estrutura invisível na qual os eventos transcorrem. O que não é o caso na teoria da relatividade geral de Einstein.


Para descrever o universo na escala macroscópica, Einstein precisou costurar juntos espaço e tempo no próprio tecido do universo. Como resultado, na relatividade geral não há estrutura invisível, nenhum relógio funcionando fora do universo com o qual medir eventos. Como poderia haver? Tempo e espaço unidos apresentam estranhas consequências: espaço e tempo curvam-se ao redor de estrelas e outros corpos maciços, além de fazerem a luz curvar-se ao invés de seguir caminhos retos. Perto de buracos negros, o tempo parece desacelerar ou até mesmo parar totalmente.


Barbour não está sozinho ao reconhecer que o tempo da relatividade geral e o da mecânica quântica são fundamentalmente incompatíveis. Fìsicos teóricos de todo o mundo, impulsionados pelo sonho do Nobel, concentram-se no problema. Mas Bardour assumiu o que talvez seja a abordagem mais heterodoxa ao propor que a maneira de resolver o enigma é deixar o tempo completamente fora das equações que descrevem o universo. Ele tem estado obcecado com essa solução por mais que 10 anos, desde que tomou conhecimento de um embaraçoso tour de force de um jovem físico americao chamado Bryce DeWitt.


DeWitt, com a ajuda do eminente físico norte americano John Wheeler, desenvolveu uma equação em 1967 que aparentemente unia a mecânica quântica com a relatividade geral. Ele fez isso tomando os princípios da mecânica quântica que descrevem as interações de átomos e moléculas e os aplicando a todo o universo, um alucinante feito semelhante a tentar fazer o uniforme de um jóquei entrar no Michael Jordan.


Especificamente, DeWitt se apropriou da equação de Schrödinger, nomeada a partir do grande físico austríaco que a criou. Em sua forma original, a equação revela como o arranjo de elétrons determina as formas geométricas de átomos e moléculas. Modificada por DeWitt, a equação descreve diferentes formas possíveis para o o universo e tudo o que ele contém. A diferença chave entre o quantum de Schrödinger e a versão cósmica da equação de DeWitt – além da escala das coisas envolvidas – é que átomos, no transcorrer do tempo, podem interagir uns com os outros e mudar suas energias. O universo, de seu lado, não possui nada com que interagir a não ser ele próprio, além de ser dono de um total fixo de energia. Porque a energia do universo não muda com a passagem do tempo, a mais fácil das muitas maneiras de resolver o que ficou conhecido como a equação Wheeler-DeWitt é eliminar o tempo.


A maior parte dos físicos recusam essa solução, incrédulos quanto à possibilidade de ela descrever o universo real. Mas um número de respeitáveis teóricos, Barbour e Stephen Hawking entre eles, levam o trabalho de DeWitt a sério. Barbour o vê como o melhor caminho para uma real teoria de tudo, mesmo considerando-se a vertiginosa implicação de que nós vivemos em um universo sem tempo, movimento ou mudança de qualquer tipo.


Passeando nas campinas do Colégio Eclesiástico de Cristo de Oxford com Julian Barbour, tempo e movimento parecem inegáveis. Enormes nuvens cumulus flutuam acima, levadas por uma briza gentil. Crianças correm e gritam no mesmo campo onde Alice Liddell, a menina que inspirou Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll, costumuva brincar. Como é possível não existir o tempo, o movimento? Barbour ajeita seu corpo alto e magro na grama, preparando-se para explicar a mais um cético. Ele começa com o que parece ser uma proposição simples: o tempo nada mais é do que as troca de posições dos objetos. Um pêndulo balança, os ponteiros de um relógio avançam. Objetos – e suas posições –, ele argumenta, são portanto mais fundamentais do que o tempo. O universo em qualquer momento consiste apenas de diferentes objetos em diferentes posições.


O que soa razoável, como deveria, vindo de um senhor sério como Barbour. Mas a próxima parte de seu argumento – a chave de sua visão – é muito mais difícil de engolir: cada possível configuração do universo, passado, presente e futuro, existe separada e eternamente. Nós não vivemos em um universo único que atravessa o tempo. Em vez disso, nós – ou múltiplas versões ligeiramente diferentes de nós – habitam simultaneamente uma multidão de placas eternas que incluem tudo no universo em todos os momentos. Barbour chama cada uma dessas configurações estilo natureza-morta de um “Agora”. Cada Agora é um universo completo, auto-contido, eterno e imutável. Nós percebemos erroneamente os Agoras como transitórios, quando na realidade cada um persiste para sempre. Devido à palavra universo parecer muito pequena para englobar todos os possíveis Agoras, Barbour cunhou uma nova palavra: Platonia. O nome honra o antigo filósofo grego que propôs uma realidade composta de formas eternas e imutáveis, mesmo embora o mundo físico que percebemos por meio dos nossos sentidos pareça estar em fluxo constante.


Antes de permitir ser interrompido pela corrente de perguntas que ele sabe estar a caminho, Barbour continua a desenvolver seu argumento. Ele compara sua visão da realidade a uma película cinematográfica. Cada quadro captura um possível Agora, o qual pode incluir um gramado, nuvens num céu azul, Julian Barbour, um perplexo escritor da Discover, e galáxias distantes. Porém nada se move ou muda em qualquer quadro. E os quadros – o passado e o futuro – não desaparecem depois de passar na frente da lente.


“Isso corresponde ao modo como você lembra momentos marcantes de sua vida”, Barbour compara. “Você lembra muito vividamente determinadas cenas e instantâneos. Eu lembro de uma vez em que, tragicamente, precisei ir até um homem que havia atirado em si mesmo. E eu não tenho nenhuma dificuldade em lembrar a cena em que abri a porta exatamente onde ele estava, ao pé da escadaria, e o vi ali, com a arma e o sangue. Essa cena ainda está impressa como uma fotografia na minha mente. Muitas memórias que eu tenho assumem essa forma. As pessoas têm memórias visuais muito fortes. Caso não sejam instantâneos, serrão umas poucas fotografias de uma sequência. Pense nas suas lembranças mais vívidas. Você não as vê como durando somente um segundo. Você as vê como instantâneos na sua mente, certo? Elas não desaparecem – elas não apresentam qualquer duração. Simplesmente estão lá, como as páginas de um livro. Você não se pergunta quantos segundos uma página dura. Ela não dura um milisegundo ou um segundo; ela apenas é.”


Barbour espera calmamente pelas inevitáveis objeções.


De algum modo nós não passaríamos de um quadro para outro?


Não. Não há nenhum movimento de um arranjo estático do universo para o próximo. Algumas configurações do universo simplesmente contém pequenos pontos de consciência – pessoas – com memórias do que elas denominam passado, memórias que existem apenas no Agora. A ilusão de movimento ocorre porque muitas versões levemente diferentes de nós – nenhuma das quais se move em qualquer sentido – habitam simultaneamente universos com arranjos ligeiramente diferentes da matéria. Cada versão nossa vê um quadro diferente – um único, imóvel  e eterno Agora. “Minha posição é que jamais somos os mesmo em dois instantes diferentes,” Barbour diz. “Obviamente, como seres humanos macroscópicos, nós não mudamos muito de segundo a segundo. E não há dúvida de que somos a mesma pessoa. Digo, apenas um louco do pior tipo negaria isso,” apazigua. “Desse ponto de vista, é verdadeiro afirmar que nos movemos entre um Agora e outro. Mas em que sentido realmente estamos nos movendo? No modo como eu vejo, o que está presente em diferentes Agoras não são precisamente o mesmo conteúdo de informação, mas quase o mesmo conteúdo de informação.” Nada se move de fato, ele diz.


“O conteúdo informacional ou a auto-consciência que nos torna cientes de nós mesmos, de possuírmos determinada identidade, apenas está presente em diferentes Agoras. São duas as coisas que dintinguem minha posição do que as pessoas costumam pensar intuitivamente. Primeiro, os Agoras não estão em uma linha do tempo. Eles apenas estão lá. E segundo, não há nada que corresponda ao movimento. Quanto a isso eu mantenho uma posição extremamente radical. O que eu estou dizendo é que os Agoras são realmente como instantâneos. A impressão de movimento só acontece porque os instantâneos possuem uma estrutura especial de fato extraordinária.” E nós somos parte dessa estrutura.


Apesar da aparente complexidade desse esquema, Barbour pensa que ele oferece o modo mais simples de mesclar mecânica quântica e relatividade em uma teoria única do universo. Como todos os físicos, ele acredita firmemente que elegantes explicações matemáticas tendem a ser verdadeiras, mesmo quando vão contra o bom senso. “Eu realmente acho que a teoria que eu estou propondo merece ser levada a sério,” ele opina. “Seria extremamente imprudente e estúpido dizer que ela está definitivamente certa, mas há uma lógica interna nessas ideias. Elas parecem muito naturais. Se queremos juntar mecânica quântica e relatividade geral, qual a maneira mais simples de fazê-lo? Creio que seja a maneira que eu propus. E acredito ser essa essencialmente a maneira que Bryce DeWitt descobriu em 1967 quando encontrou sua infame equação.”


Barbour se levanta e retira grama de suas calças. Ele precisa ir ao encontro de sua esposa, Verena, para jantar, e consulta seu relógio, sorrindo com o gesto. “É nisso que dá afirmar que o tempo não existe – ironia do destino,” ele brinca.


Encaminhando-se para um restaurante novo e elegante na antiga Rua Alta de Oxford, Barbour comenta o modo como suas ideias alteraram suas percepções do mundo. “Parece-me completamente errado dizer que o mundo foi criado no Big Bang e que este foi o único evento de criação.” Barbour apressa-se em acrescentar que existe um eterno Agora que contém o Big Bang, mas que ele o vê somente como um de uma série infinita de Agoras coexistindo neste instante na Rua Alta. “A imortalidade está em toda parte,” ele sugere. “Só precisamos reconhecê-la.”


Como a comunidade científica reage a tais ideias? Físicos que conhecem o trabalho de Barbour concordam que ele não deveria ser descartado logo de saída. Em uma conferência na Espanha, Barbour conduziu uma pesquisa informal. Ele perguntou quantos dos físicos acreditavam que o tempo não faria parte de uma descrição final e completa do universo. A maioria repondeu positivamente.


Don Page, cosmologista da Universidade de Alberta em Edmonton, frequente colaborador de Stephen Hawking, levantou sua mão naquele dia. “Eu acho que o trabalho de Julian esclarece muitos equívocos,” diz Page. “Os físicos podem não precisar do tempo tanto quanto imaginavam. Barbour de fato está pondo em questão a natureza fundamental do tempo, sua própria existência. Não se pode fazer avanços técnicos quando se está atolado em lama conceitual.” Estranhamente, Page pensa que Barbour pode na verdade ser excessivamente conservador. “Penso que o espaço também desaparecerá,” ele diz, enigmaticamente.


Como Page, Carlo Rovelli aplaude Barbour por forçar os físicos a pensarem sobre coisas que tinham por garantidas. “É hora de voltar às grandes questões,” ele afirma. “Precisamos de um novo modo de pensar sobre o mundo. Há grandes desafios filosóficos e Julian é parte disso.” Babour, no meio tempo, desenvolve sua teoria. Em parceria com Niall O Murchadha, um físico irlandês, ele está tentando formular uma modificação da relatividade geral em que não somente o tempo, como também a distância, perdem seu papel. Em particular, sua teoria prediz que o universo, sendo estático, não está se expandindo. A principal evidência que os físicos têm para a expansão – o alongamento universal do espectro de luz de galáxias distantes conhecido como desvio para o vermelho – seria na verdade explicada pelos efeitos gravitacionais de estrelas de neutrons e buracos negros.


Se o que se quer é o cenário mais otimista,” entusiasma-se, “no qual o irlandês e eu desenvolvemos essa teoria, fazemos essa previsão e acontece de ela bater com as observações, então realmente estaríamos no nosso melhor momento.”


A igreja da paróquia próxima à casa de Barbour contém alguns dos murais mais raros na Inglaterra. Uma pintura, completada por volta de 1340, mostra o assassinato de Thomas à Becket, o arquebispo do século XII cujas crenças conflitaram com aquelas do Rei Henrique II. O mural captura o instante em que a espada de um cavaleiro fende o crânio de Becket. Sangue esguicha do ferimento. Se a teoria de Barbour estiver correta, então o momento do martírio de Becket ainda existe como um eterno Agora em alguma configuração do universo, assim como as nossas mortes. Mas no cosmo de Barbour, a hora da nossa morte não é o final; ela não passaria de um dos incontáveis componentes de uma vasta estrura congelada. Todas as experiências que tivemos permanecem para sempre fixas, engastadas como facetas cristalinas em alguma jóia imortal, infinita. Mas a pergunta persiste: Tudo isso poderia ser real? Somente o tempo irá dizer.



Existe vida após a morte?


Julian Barbour está convencido de que somos todos imortais. Infelizmente, em um universo sem tempo, não acompanham a imortalidade os mesmos privilégios que se esperaria no Monte Olímpo. Na visão de Barbour, nós não somos como os deuses gregos eternamente jovens. “Estamos sempre trancados dentro de um Agora”, Barbour afirma. Nós não atravessamos o tempo. Pelo contrário, cada novo instante é um universo inteiramente diferente.  Em todos esses universos, nada jamais se move ou envelhece, dado que o tempo não está presente em nenhum deles. Um universo pode conter você bebê observando o rosto de sua mãe. Nesse universo você jamais sairá dessa posição. Já em outro universo, você estará para sempre a um passo da morte. Todos esses universos, e infinitos outros, existem permanentemente, lado a lado, em um cosmos de tamanho e variedade inimagináveis. Assim não existem apenas um você imortal, porém muitos: a criança, o cara legal, o esquisitão. A tragédia – ou talvez seja uma benção –, é que nenhuma das versões reconhece a própria imortalidade. Será que você realmente gostaria de ter 14 anos para sempre, esperando o término de sua aula de educação cívica terminar?


Seja quão excêntrica for essa visão de um mundo atemporal, Barbour acredita que há algo ainda mais estranho a considerar: o próprio fato da nossa existência. “A criação e o fato de que tudo existe – estes para mim compõe o maior mistério,” pondera. “O fato de estarmos aqui é totalmente misterioso.”
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