A consciência de estarmos permanentemente acossados por forças
superiores a nós, no plano fisico-natural, assim como a possibilidade
do colapso das representações, no plano das faculdades cognitivas (imaginação
e entendimento), constituem o momento negativo e preliminar
na experiência do sublime. Ao passo que o momento afirmativo, sem o
qual essa experiência não se completa efetivamente, enraíza-se na consciência
adquirida pelo sujeito de que, pela razão, consegue pensar o
infinito (isto é, consegue pensar o inapresentável) e consegue também
contornar, domesticar ou mesmo vencer as forças da natureza, a começar
pelo controle do próprio corpo com seus apetites desordenados. Se
a experiência do belo se dá na contemplação, diz Kant que a do sublime
se dá como movimento. O sublime é conquistado no decorrer da luta
com a negatividade. Na experiência do belo, o sujeito contempla e se
compraz com sua capacidade de produzir formas. Na do sublime, ele se
orgulha do fato de que a Idéia (produto de sua pura liberdade) supera a
Coisa (a contingência incognoscível da matéria). Resulta que o sublime
kantiano é o sentimento de prazer muito solar, muito confiante e iluminista,
ocasionado pela constatação de que o poder criador da razão
humana é tão forte que pode circunscrever pela forca da idéia as
ameaças representadas pelo Outro dessa razão - a corporal idade
animal, as catástrofes naturais, os abismos e a morte, o incomensurável
e a treva.
Kant fala numa destinação supra-sensível do espírito. Se todo
conhecimento humano passa necessariamente pelos sentidos (como se
pode ler na Crítica da Razão Pura, em concordância parcial com os
empiristas ingleses), o infinito, o todo absoluto, a força final da natureza
representam o limite do humano porque não podem ser objetivados como
fenômenos - são realidades supra-sensíveis. Mas é aí que entra a Razão,
como faculdade superior do sujeito transcendental. Ao contrário
da imaginação e do entendimento, que só funcionam a partir dos dados
por assim dizer processados pela sensibilidade, a Razão consegue estabelecer
comércio com o supra-sensível porque ela própria é supra-sensível.
A confiança de Kant é tanta que, através da conexão entre sentimento
sublime, razão e supra-sensível, ele comete a ousadia (sutis
ironias da Terceira crítica ... ) de igualar e até inverter a relação entre o
humano e o divino, praticamente colocando, já na Analítica do Sublime,
a hipótese do Deus judaico-cristão como subproduto da Razào.
(Italo Moriconi, Quatro [2+2] Notas sobre o Sublime e a Dessublimação, Revista Brasileira de Literatura Comparada n.4)
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