quinta-feira, 29 de julho de 2010

turismo







a pele coberta de enxertos

faz pensar na carne dos mares

parte que se refaz ainda que

líquida somente do nosso ponto de vista

-- tudo o que vemos do mar

o sangue de seu corpo oculto --

a costura de cada porção

a orla de uma nova praia

local habitado por microorganismos que não

voltarão a emigrar para outras praias

relutante o turista em beijar a nojenta pele nativa

seu suor que não é seu ou que

esgoto

escorre para o mar


segunda-feira, 26 de julho de 2010

urro




urro

vida vermelha

ou

morte vermelha


rubro

sob cerúleo

(circadiano)

ou

negro


asas








entre

as imagináveis margens de

ontem e amanhã

o impossível presente do

hoje

o abstrato abismo do

ato

sempre passado

inapreensível na imediatez que não se experimenta

como o

fim (como a

morte)

porque real e portanto

não um beijo

não uma flor

não um beija-flor

sim suas asas


na solidão do sonho




preocupa-nos a morte

porque sonhamo(-no)s (n)o tempo

e vivemos sonhando



na solidão do sonho

ele ([re]nasc

eu

)


domingo, 25 de julho de 2010

estio da escuridão



som de moto na madrugada

borracha no asfalto molhado


estio da escuridão

insônia do inanimado


solução

(mistura homogênea de uma ou mais substâncias)

de uma ou mais dores

num ser:


solidão


nas frestas da janela

o mar

ressonar de um bebê

fio de saliva

(na barba)


pesadelo

(alguém)

desemprego

(no espelho

desejo

de luz

que ofuscasse

tudo

sábado, 24 de julho de 2010

alumínio anodizado






uma imagem do paraíso em html

apenas texto que o blogger não posta

a não ser como imagem

talvez em rizível (agora)

tentativa de esconder sua linguagem de máquinas

(que em estratégia evolucionista geneticamente sabe importante)

de humanos que no lugar de texto

veem uma imagem do paraíso

e continuam a espalhar aos quatro ventos

suas sondas espaciais com placas de alumínio anodizado

terça-feira, 20 de julho de 2010

solidez



a facilidade de te contar

te torna bucha de canhão

tua importância para mim em função

do tamanho do meu ego

(qualquer significado ou valor

possível apenas em função de)

diminuída não obstante

pelo fato de que sempre posso te substituir

quer dizer

o Google

quando tu buscas algo e me encontra

quer dizer

às palavras que escrevi e que

emergentemente tão sólidas quanto uma mesa

ou seja

um poema

(a solidez existe tanto quanto o tempo

isto é

emerge em níveis de realidade superiores a partir da interação de átomos e as complexas forças em jogo)

o ponto sendo

pertence a um nível de correlações (de realidade de existência)

a solidez (a mesa o poema)

em que

embora as coisas estejam separadas e sozinhas

elas ao menos podem se apoiar umas nas outras

como este notebook numa mesa

como este poema numa cabeça



sabe

não é (necessariamente) que nada tenha importância

dado um em função de amplo o bastante

é mais uma questão (é sempre uma questão

com certeza)

de realizar uma escolha dos parâmetros de comparação

(i. é., de um em função de)

e

ainda mais difícil

de manter a mira ou foco da tua lucidez de pessoa educada e crítica restrita a esses parâmetros

em outras palavras

trata-se de ser coerente e estável

não de ficar mudando de opinião como um cético maluco a cada nova leitura

quem sabe a cada leitura de duas?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

até a última noite



ao Igor, meu filho



numa varanda à beira mar

amar todos os mitos

perder cada pessoa que passa

como se fosse a última do apocalipse


que outro asssunto para a poesia neste fim dos mundos

(porque toda a existência se apaga todas as noites até a última noite)

senão a tristeza constante de cada instante de escuridão compartilhada com o filho cego

(mesmo assim ele é feliz


como uma nuvem


que

embora à prova de gravidade

vira gotas de chuva nos dias frios)


mas restam sempre as palavras de guarda-chuva

nos dias frios

nos instantes de escuridáo (compartilhada)

todas as noites até a última noite

do apocalipse

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Invenção da Realidade






Abaixo, trecho de entrevista de Ferreira Gullar concedida à revista Dicta&Contradicta, extraído da edição de 16 de junho de 2010 da revista Veja. O período destacado em negrito parece-me ilustrativo dos assuntos tratados nas minhas postagens anteriores, acerca da importância da fantasia não só como gênero artístico, mas como categoria essencial do pensamento humano.


Discordo quando dizem que a arte revela a realidade. Na verdade, a arte inventa a realidade. Afirmam que Shakespeare revelou a complexidade da alma humana: não, ele inventou a complexidade da alma humana. Nós vivemos no mundo da cultura. Quem vive na natureza é macaco e maçã. O índio já tem os mitos e já está dentro do mundo cultural dele, que foi inventado. A poesia é uma dessas criações, no terreno da fantasia, que existe porque a vida não basta. Eu escrevo para ser feliz, escrevo porque estou me inventando, para ser melhor do que sou.


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