sexta-feira, 28 de setembro de 2012

afterglow

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Luto, leito, leite seco:
você oriente, eu ocidente;
reflexo sem luz, eco sem voz;
nada ou letes no centro.

À espera d’ aurora,
a pobreza do breu
ante a sombra d’ ausência
ao crepúsculo,
titã das planícies,
adeus de escuridão ao frágil corpúsculo.

Acre, lúgubre lágrima,
condensação do silêncio
sempre sombrio:
nada sobrou,
sequer soçobrou do naufrágio
a que não se seguiu a deriva da vida.

E que imagem dirá melhor a dor:
a que ilhas daria
nosso nauta natimorto?

Assim a sedução revela-se sedação,
o êxtase, estase,
o ainda, nada,
só afterglow, after all

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de sua visão

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De sua visão – de sua prisão –
vítrea
(vidro invisível, água invisível),
o peixe beta ignora a televisão vizinha;

em espelho próximo, porém,
observa-se a si próprio
e parte pra briga:

achamos graça –
rimos em família –,
voltamos ao silêncio a tempo
de assistir à missa da previsão do tempo
seguida das últimas notícias do dia –
quedas nas bolsas, chacinas –,
Dormimos o sono dos justos,
voltamos à vigília,
vamos para o serviço,
sentimo-nos seguros,
sofisticados,
informados e,
sobretudo,
bem alimentados.

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o fim da imaginação


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Da fotografia à imagem digital,
o fim da imaginação e da fantasia:
sonho em preto e branco (quando lembrado)
e memórias estáticas:
custa-me esforço atribuir movimento
à sua face de mármore.

Mesmo as emoções morrem
– ataque cárdia só diante de filmes e fotonovelas –,
ou brutalizam-se em razão de fuga
– escolho não atendê-la ao identificar seu número na bina.

À noite estende-se o leito para retificar espaços curvos:
promove-se o sono,
eterniza-se o tempo
ainda;

desperto, porém, relembro: sua ligação, sonho;
na vigília, eu a atenderia;
quer dizer: aos seus desejos
...

1, 2, 3, árvore do mundo

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vendaval
uma árvore (outrora fr-
eixo) caiu

crianças brincando de esconde-esconde
entre os galhos de Yggdrasil

                                   
                                  sopé do Morro do José Menino, Santos, 19/10/12

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o menino e seu barco

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barquinho a motor em rumo
gestos nervosos
no controle remoto

barquinho de papel à deriva
aceno (ao) incerto
uma despedida

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fedor

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terreno baldio
trilhos antigos
detritos
lixo

seringas
cachimbos
camisinhas usadas
carcaças de peixe

seu fedor
a lembrança de seu fedor
a palavra fedor
futuras depurações

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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

a respiração

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se escolhas não existem
as necessidades de uma esposa
a necessidade de uma esposa
a necessidade de um poema
que desacredite o livre-arbítrio
mas não de um poeta que o conceba
sua beleza

compramos um beta
no feriado de sete de setembro
talvez uma escolha
talvez um esforço
uma decisão
a escrita destas linhas
a respiração
os batimentos do coração

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sábado, 1 de setembro de 2012

milagre comum

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Milagre comum:
a despeito do nada entre átomos,
espaço onde andam lúgubres ilusões,
tristezas,
cada toque
concretiza
outrora
espectros,
certa Melancolia da Matéria,
mãe de si mesma,
sua cria
a coisa
mais linda
desse mundo.

Só o espaço passa:
as coisas que se movem no presente,
as coisas que não se movem no passado,
as coisas que passarão a se mover
a partir do movimento derradeiro de outras no futuro.

E resistimos:
comovemo-nos,
amamo-nos, ferimo-nos,
até o sofrimento é preciso
na economia da intensidade
mínima de nos pensarmos despertos,
próximos,
perto de algo,
qualquer coisa,
nem que seja apenas do fim
(acabar o privilégio do que existe).



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